Ponte-Açude no Rio Novo do Príncipe, para que te quero?

Por Alexa Polónio Tavares, do Agrupamento de Escolas Rio Novo do Príncipe

No Rio Novo do Príncipe, em Cacia, encontra-se em construção uma ponte-açude que, embora venha resolver alguns desafios para a região, pode também pôr em causa a sobrevivência de uma espécie aquática mais antiga que os dinossauros, a lampreia. Como manter o equilíbrio entre as necessidades de ambos?

Cacia  

Cacia é uma freguesia do concelho e distrito de Aveiro, localizada perto de Estarreja. É hoje uma das zonas mais importantes do país a nível industrial, onde se encontram fábricas como a Companhia Aveirense de Componentes para a Indústria Automóvel (C.A.C.I.A.), a segunda maior unidade do setor automóvel português do grupo Renault, a Vulcano, a Funfrap, a Navigator, entre outras. De entre os vários elementos importantes para a localidade, o seu rio desempenha um papel fundamental nos diversos setores 

O “Rio Novo” do Príncipe 

Começando no sítio do Murçainho, em Sarrazola, e terminando na Cale do Espinheiro, na ria de Aveiro, o Rio Novo do Príncipe apresenta cerca de 5 km de extensão, sendo o resultado da alteração do percurso primitivo do Rio Vouga, alteração essa que data do início do século XIX. O rio reveste-se de enorme importância para diversas atividades, como a agricultura e alguma operação industrial, como é o caso da empresa Navigator, e ainda para a prática de diversas modalidades desportivas como o remo, o padle e a canoagem, entre outras. De onde surge a necessidade de construção de um novo açude?

O Projeto Ponte-Açude

Segundo informações prestadas pela CIRA (Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro), a decisão da construção do “projeto INFRAESTRUTURAS HIDRÁULICAS DO SISTEMA DE DEFESA CONTRA CHEIAS E MARÉS NO RIO VELHO E RIO NOVO DO PRÍNCIPE (PONTE-AÇUDE) visa substituir um açude provisório construído anualmente pela Navigator no leito do Vouga (…), formando uma barreira à entrada da água salgada”. Adianta, ainda, que “Este projeto contempla a construção de uma ponte-açude, perto da foz do Rio Vouga, de forma a defender os terrenos agrícolas do Baixo Vouga Lagunar da entrada da água salgada da Ria de Aveiro e da progressão da cunha salina, permitindo também a deslocação das espécies piscícolas a montante e o armazenamento de água para rega nos períodos de estiagem.”

De acordo com os dados facultados pela mesma entidade, “a ponte-açude consiste numa estrutura perpendicular ao rio, reguladora dos níveis de água e das correntes, que compreende em resumo: Estrutura de betão armado (…) com 4 comportas planas (vagão), de abertura vertical; Comportas com 10 m de largura e 6.8 m de altura (…); Açude que compreende um viaduto rodoviário com 2 faixas de rodagem (10 m de largura), ligando as duas margens; Equipamento elétrico e eletromecânico, incluindo grupo gerador de emergência, edifício de controlo, etc, garantindo a sua permanente capacidade de regulação.

O seu funcionamento hidráulico tem como “objetivos - impedir a intrusão salina e permitir o armazenamento de água doce a montante”.

No entanto, a CIRA não deixa de reconhecer o que designou de “Condicionantes - permitir o acesso das espécies piscícolas a montante, em especial nos meses de janeiro a abril; e não agravar as condições de escoamento atuais das cheias.”

Pormenor corte transversal do açude – Foto cedida por CIRA

 Imagem atual do açude em construção (cedida por CIRA)

MARE – Um outro olhar   

Procurámos compreender as efetivas perdas e ganhos obtidos com a sua construção, agora na perspetiva de investigadoras da Universidade de Évora, associadas ao MARE, Centro de investigação científica, desenvolvimento tecnológico e inovação.

Com competências técnicas e científicas para abordar todos os ecossistemas aquáticos, que desvantagens aponta o MARE, na construção do açude já em curso? 

Procurámos compreender que riscos correm algumas espécies aquáticas existentes no rio Novo do Príncipe, nomeadamente, a lampreia, “espécie mais antiga do que os dinossauros”, “espécie campeã da sobrevivência”, que pode agora ver ameaçado ou deteriorado o seu habitat se a ponte-açude não assegurar as condições ideais para o seu ciclo de vida e de reprodução. 

Impacte para algumas espécies como As Lampreias

As lampreias, ao longo da sua vida, passam por diferentes fases: primeiro, o ovo é fertilizado. Durante a sua fase larvar, enterram-se no sedimento dos rios e alimentam-se por filtração.   Nascem no rio, onde permanecem de três a cinco anos, e crescem no mar, onde se irão alimentar de outras espécies chamadas “hospedeiras”, durante cerca de dois anos. Retornam ao rio para se reproduzirem, na primavera e no início do verão, e morrem pouco depois da desova.

Entre várias ameaças possíveis sentidas no mar, como o aumento da mortalidade por falta de presas suficientes para se alimentarem, o aumento da temperatura trazida pelas alterações climáticas e o aumento da predação, que podem pôr a espécie em risco, veem-se, no retorno ao rio, perante a ameaça resultante da construção de açudes ou barragens, caso estes não assegurem a construção de passagens para que consigam subir o rio e chegar ao sítio ideal para se reproduzirem.

Assim sendo, segundo as investigadoras do MARE, é fundamental que sejam criadas condições para que esta espécie tão antiga, quer no planeta, quer no nosso rio, não perca o seu Habitat, o que poderá acontecer num futuro próximo se a ponte-açude se tornar numa barreira que não consigam transpor.

Lampreias, para que vos quero?

Numa fase em que todas as iniciativas pela sustentabilidade, para aa dar como concluída esta odisseia proteção dos ecossistemas e das espécies em risco é prioritária, não podemos deixar de apelar à consciência de todos e dos principais responsáveis para que sejam garantidas as condições necessárias para que as lampreias do nosso Rio continuem a viver e a reproduzir-se por mais alguns milhões de anos e não tenham, em breve, o mesmo triste fim dos dinossauros.

DE FREGUESIA POLUÍDA A ECO-FREGUESIA: ASSIM É CACIA

Por Ana André Sequeira e Rita Oliveira, do Agrupamento de Escolas Rio Novo do Príncipe, Cacia

Dado o agravamento da situação planetária, todas as iniciativas para garantir a sustentabilidade são urgentes. Fomos à descoberta do que, neste âmbito, está a ser feito na nossa freguesia, Cacia, no concelho de Aveiro, entrevistando o seu Presidente de Junta para melhor compreendermos o que é ser uma Eco-Freguesia.

Entrevista ao Presidente da Junta de Freguesia de Cacia, Nelson Santos, na biblioteca da Escola sede do Agrupamento

Jovens Repórteres para o Ambiente (JRA): Muito boa tarde, Sr. Presidente. Agradecemos, desde já, ter aceitado o nosso convite para nos prestar alguns esclarecimentos sobre Cacia ser, presentemente,  uma Eco Freguesia, começando por lhe perguntar: De quem partiu a iniciativa de candidatar Cacia ao programa Eco-Freguesias XXI?  

Presidente da Junta de Freguesia (PJF): Olá, agradeço o convite. Partiu da escola. Nós vínhamos muitas vezes ao hastear da bandeira do Eco-Escolas e, na altura, um professor referiu que também existia o programa/projeto Eco-Freguesias. Como estávamos recetivos a novas ideias, fomos falar com a associação ABAAE, vimos o que era o projeto, achámos interessante e candidatámo-nos.

JRA:  Fale-nos um pouco sobre o processo de candidatura.

PJF: Seria “engraçado” a freguesia mais industrializada do concelho de Aveiro e uma das mais industrializadas do país ser uma Eco-Freguesia e foi por isso que nos candidatámos. Temos grandes indústrias aqui na nossa região, níveis de poluição que eram extremos e achámos interessante, como temos também um fator de natureza, podermo-nos candidatar. Fomos a primeira Eco-Freguesia do concelho de Aveiro, (...). Servimos de exemplo e achamos interessante desenvolver uma série de iniciativas para nos tornarmos uma Eco-Freguesia. 

JRA: Quais os pré-requisitos necessários?  

PJF:  O Eco-Freguesias tem um conjunto de indicadores que necessitamos de cumprir para ganhar pontos. E para conseguirmos atingir esses indicadores ou resultados dos indicadores, temos que realizar as propostas que são feitas pela ABAAE e é isso que nós fazemos. O Eco-Freguesias é o modelo geral; depois temos o Eco-Funcionários, em que os nossos funcionários têm que responder a um inquérito e a outras situações, como, por exemplo, se fazem reciclagem, se usam e como é que usam os combustíveis, entre outros indicadores. Depois, temos também o Eco-Famílias em que abrimos um concurso à comunidade para saber quais são as famílias mais ecológicas da nossa Freguesia e premiamos essas famílias.  Existe também o Eco-Escolas, que faz com que as freguesias tenham indicadores mais elevados, e um conjunto de outras iniciativas de natureza ambiental, sobretudo a reutilização dos componentes.

JRA:  Quais as principais dificuldades encontradas na candidatura?  

PJF: No início não foi [difícil]; no primeiro ano em que nos candidatámos, penso que em 2019, os indicadores eram bastante fáceis e era tudo novidade, por isso, gostámos muito de fazer essa parte.  Em 2021, foi muito mais complicado por ser já a segunda vez, por grande parte ser repetição do anterior e pelos indicadores terem mudado muito. A plataforma em que se carregam os dados ficou muito mais pesada e não bastava apenas ter a iniciativa Tínhamos também de ter em atenção o público que esta atingiu e qual o seu objetivo. Houve também vários inquéritos que tivemos que fazer. Em 2023, também foi bastante mais complicado. No entanto, candidatámo-nos novamente este ano.

JRA: Em que medida é importante para Cacia o galardão?

PJF: Foi basicamente o que eu disse: por ser uma freguesia muito industrializada e para fazer o contraponto com as indústrias com implicações ambientais, embora estas também se preocupem e desenvolvam iniciativas, e para mostrar à nossa comunidade que, apesar de sermos industrializados, também temos a componente ambiental e queremos que as pessoas se interessem por ela.

JRA:  Tendo em conta os indicadores propostos pelo programa Eco-Freguesias XXI, no âmbito de quais e de quantos deles esteve ou ainda está a nossa freguesia a trabalhar?

PJF: Nós tivemos a melhor classificação de sempre; fomos grau prata, na última candidatura. Nós estamos sempre a trabalhar:  estamos a fazer um novo parque, que terá em consideração uma série de indicadores. Também usamos pouca química ou quase nenhuma nas nossas ruas e, sobretudo, corte mecânico; preocupamo-nos imenso com os nossos jardins, que é outro fator; preocupamo-nos  em ter eventos com a componente ecológica, por exemplo, mercados temáticos, onde fazemos feiras dos lavradores, as nossas tasquinhas terem copos reciclados ou reutilizáveis, o nosso campo de férias ter a componente também ambiental envolvida, (...) o concurso Eco-Famílias, como o inquérito que vamos lançar brevemente para percebermos o que é que as pessoas pensam sobre a nossa freguesia,...

Imagem de apresentação do arranjo paisagístico do Parque da Fonte do Olho (fonte: Junta de Freguesia de Cacia)

JRA: Considera que existe ou existiu empenho por parte da população em tornar Cacia numa Eco- freguesia?

PJF:  Sentem orgulho nesse fator, sem dúvida! Pela questão de sermos avaliados. Nós recebemos os técnicos do Eco-Freguesias, que vêm cá e nos avaliam. Não é só dizermos que somos uma eco-freguesia. (...) Se não houver provas do que melhorámos, o galardão não é entregue. 

JRA: As pessoas sabem deste reconhecimento/prémio?

PJF: Sim, sabem e nós também fazemos questão de evidenciar isso!

JRA: Pretende voltar a conquistar este galardão? E existe alguma iniciativa que nós, como população, possamos fazer para dar continuidade ao esforço de fazer de Cacia uma eco-freguesia?   

PJF: Candidatámo-nos este ano, novamente, para receber em 2025 o galardão, mas o galardão, o reconhecimento, não é, simplesmente, da junta de freguesia, é da população. E se população puder participar nos eventos e nos inquéritos e em todas as valências do Eco-Freguesias, nós agradecemos, claro que sim. Eu acho que as melhorias são para a comunidade, não são para a freguesia, não são para a junta de freguesia.

JRA: Para si, ser presidente de uma Eco-Freguesia é...

PJF: Um motivo de orgulho, acho que sim, porque ser reconhecido como eco-freguesia é sinal de que cumprimos um programa, é sinal de que estamos no bom caminho em termos de sustentabilidade.

Cacia está, pois,  no bom caminho. Agradecemos o testemunho do Senhor Presidente que nos deu a conhecer algumas das iniciativas em curso na nossa freguesia em prol da tão desejada sustentabilidade. Mesmo sendo uma freguesia altamente industrializada, é urgente contribuirmos e participarmos na conquista de uma freguesia mais verde.